Trabalho escravo: falta de transparência e baixa de recursos
Com a Câmara dos Deputados prestes a votar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, o governo dificultou a fiscalização e punição de empregadores flagrados cometendo trabalho escravo. A medida atende antigo pleito da bancada ruralista. Além da menor transparência, esse ano também teve redução nos recursos destinados à erradicação desse tipo de serviço.
Levantamento da Contas Abertas mostra que, de janeiro a setembro deste ano, foram gastos R$ 3,9 milhões em ações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo. É um nível semelhante ao de 2013, mas muito inferior aos R$ 5,4 milhões gastos em igual período de 2016. As comparações estão em valores correntes
Os dados da entidade incluem ações para erradicação do trabalho escravo, assistência emergencial a trabalhadores vítimas de trabalho escravo, combate ao trabalho escravo, fiscalização para erradicação do trabalho escravo e pagamento de seguro-desemprego para trabalhador resgatado de condição análoga à de escravo.
Com menos recursos, as iniciativas também ganharam uma portaria contra. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, determinou que a "lista suja", que traz os nomes dos empregadores autuados pela prática do crime, só será divulgada "por determinação expressa" dele ou de quem estiver como titular da pasta. Antes, essa atribuição era da área técnica.
A portaria trouxe ainda novos conceitos de práticas ligadas ao trabalho análogo à escravidão. Para que sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo, agora terá que haver a restrição de liberdade do trabalhador.
O texto contraria entendimento firmado há mais de 10 anos de que o cerceamento ostensivo do direito de ir e vir não está vinculado obrigatoriamente à jornada exaustiva e ao trabalho degradante. Mas apenas ao trabalho forçado e à servidão por dívidas, outras condições ligadas ao delito de redução à condição análoga à de escravo previsto no Código Penal.
Uma série de procedimentos criados na nova portaria retiram a autonomia dos auditores-fiscais nas inspeções. Eles terão agora que atuar sempre com um policial, que precisará lavrar um boletim de ocorrência do auto de flagrante. Sem esse documento, a fiscalização será considerada inválida, e o empregador ficará isento de eventuais penalidades e de ser incluído na lista suja.
O resgate de trabalhadores em condição análoga à de escravo, trabalho que hoje é feito pelas equipes técnicas, também poderá ficar prejudicado com os novos conceitos e exigências.
Reportagem do jornal O Estado de São Paulo mostrou que o governo exonerou na semana passada o servidor André Esposito Roston do posto de chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo e com isso provocou forte reação de entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e da transparência no governo, além do Ministério Público.
Segundo fontes, o ato teria sido uma represália a queixas feitas pelo funcionário à falta de recursos para fiscalização. Mas a motivação principal teria sido sua atuação em favor da divulgação da lista de empresas acusadas de utilizar trabalho escravo. Uma nova edição dessa relação, que ficou pronta na última sexta-feira, teria desagradado a integrantes da base governista no Congresso, bem às vésperas da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer.
"A fiscalização do trabalho escravo estava estrangulada", disse o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva. Dois cortes promovidos no orçamento, um em março e outro em julho, haviam reduzido os recursos da área a 70% do valor original.
MP revogação da portaria
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho encaminharam ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, uma recomendação para que revogue a Portaria 1.129, editada ontem, “por vício de ilegalidade”, e dá prazo de dez dias para resposta. Em quatro páginas, a recomendação diz que a portaria contraria o Código Penal, decisões do Supremo Tribunal Federal e decisões de instâncias internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de enfraquecer a Lei de Acesso à Informação.
Publicada em : 18/10/2017