Não sobraram duas medidas inteiras, diz Deltan
O coordenador da força-tarefa Lava Jato, Deltan Dallagnol, avaliou que não sobraram duas medidas inteiras daquelas que foram propostas via iniciativa popular. “Além de não avançar medidas efetivas contra a corrupção e não solucionar problemas do sistema de justiça criminal que acarretam a impunidade, a Câmara claramente retaliou contra Ministério Público e Judiciário, aprovando a Lei da Intimidação”, afirmou.
Deltan ainda ressaltou que poucos instrumentos para o combate à corrupção foram dados e os órgãos que poderiam aplicá-los foram enfraquecidos e, mesmo, intimidados para que crimes de poderosos não sejam investigados, processados e punidos. “Considerando o pacote inteiro, o saldo é, sem dúvidas, negativo. Foi o mais duro golpe do Parlamento contra o combate à corrupção e à Lava Jato desde o seu início”, ressaltou.
O procurador reconheceu a legitimidade de debater e aperfeiçoar propostas e realizou análise para mostrar como as iniciativas foram esfaceladas. “Continuamos esperando do Congresso uma reação real contra a corrupção multibilionária, enraizadas e sistêmica descoberta na Lava Jato”, disse.
Confira a análise do coordenador da força-tarefa Lava Jato:
O pacote anticorrupção atuava em 5 diferentes frentes contra a corrupção:
1) Punições adequadas: essa frente avançou, mas com importante perda do crime de enriquecimento ilícito de agente público.
2) Punições dentro de um prazo razoável: não avançou. Diversas propostas caíram pelo caminho. A única coisa aprovada foi um gatilho de eficiência que poderá gerar melhoras no médio e longo prazo, a depender da aprovação de novas leis.
3) Fechamento das brechas da lei que impedem a punição: prescrição e nulidades. Nada avançou. A impunidade continuará a reinar.
4) Recuperação do dinheiro desviado com instrumentos recomendados internacionalmente: nada avançou. O crime de corrupção continuará a compensar financeiramente.
5) Mudança de cultura, com conscientização e educação. Nada avançou.
Análise medida a medida:
MEDIDA 1 (75% REJEITADA): objetivava mudar cultura de tolerância de corrupção por meio de educação e conscientização
-Sigilo de fonte para proteger quem quer reportar corrupção – DERRUBADA pela Comissão Especial
-Teste de integridade – DERRUBADA em parte pela Comissão e em parte pelo Plenário
-Treinamento de agentes públicos, códigos de condutas por categorias, campanhas de conscientização, educação e marketing de massa – DERRUBADA na comissão especial, permanecendo os treinamentos como "sugestão"
-Prestação de contas pelo Ministério Público e Judiciário – APROVADA
MEDIDA 2 (DERRUBADA): objetivava adotar um poderoso instrumento contra a corrupção recomendado pela ONU e em duas convenções da OEA
-Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos: DERRUBADA pelo Plenário1
MEDIDA 3 (90% APROVADA): o problema atacado é o fato de que os corruptos são muitas vezes condenados a prestar serviços à comunidade e doar cestas básicas, o que é desproporcional em relação ao mal causado pelo crime
-Aumento de penas: APROVADA
-Corrupção como crime hediondo para valores acima de 100 salários mínimos (R$ 80 mil): APROVADA COM ALTERAÇÃO. Houve aumento das penas, mas em Plenário se decidiu que só será hedionda a corrupção além de 10.000 salários (R$ 8 milhões).
MEDIDA 4 (15% APROVADA): justiça lenta é justiça nenhuma. Uma punição depois de 15 ou 20 anos perde seu efeito preventivo mais importante e gera sensação de impunidade.
Foram propostas várias mudanças para agilizar recursos, seguindo as principais:
-Possibilidade de execução imedata da condenação quando há abuso de direito de recorrer: DERRUBADA na Comissão Especial
-Revogação de embargos infringentes e de nulidade: DERRUBADA na Comissão
-Extinção da figura do revisor nos tribunais: DERRUBADA na Comissão
-Vedação dos embargos de declaração sucessivos: APROVADA
-Simultaneidade do julgamento dos recursos especial e extraordinário: DERRUBADA na Comissão
-Alterações nos Habeas Corpus para ter a mesma ampla dimensão que tem no mundo, mas sem permitir seu uso prodigalizado ou abusivo, dando ainda paridade de armas em favor do Ministério Público no interesse da sociedade: DERRUBADA na comissão.
MEDIDA 5 (DERRUBADA): o problema atacado aqui é a demora das ações de improbidade e falta de regulação da leniência do Ministério Público em improbidades (não se trata da leniência da lei anticorrupção ou da lei do CADE – isso tem sido objeto de confusão)
-Simplificação da fase inicial da Ação de Improbidade, resguardada a mesma proteção ao réu que é dada numa ação criminal: DERRUBADA pelo Plenário
-Regulação da leniência relacionada à improbidade, em relação ao Ministério Público, o que seria um bom instrumento de investigação: DERRUBADA pelo Plenário
MEDIDA 6 (DERRUBADA): talvez a mais importante medida, porque fecha a mais importante das duas principais brechas na lei que acarretam impunidade. Quase todos os casos de corrupção hoje prescrevem, isto é, são cancelados pelo decurso do tempo. A prescrição deve ser uma sanção contra a parte inerte, mas hoje sanciona a sociedade mesmo quando todo o possível é feito para a punição dos corruptos
-Fim da prescrição retroativa, que só existe no Brasil: DERRUBADA no Plenário
-Criação de marcos de interrupção da prescrição: DERRUBADA no Plenário
-Outras mudanças para deixar o sistema prescricional mais justo: DERRUBADA no Plenário
MEDIDA 7 (DERRUBADA): a segunda principal causa da impunidade é a anulação de grandes casos com base em irregularidades que não implicaram violação de direitos fundamentais
-Mudanças no regime de provas ilícitas para funcionar de modo similar àquele como funciona nos Estados Unidos, de onde foi importado originalmente para o Brasil, mas pela metade: DERRUBADA na Comissão
-Mudanças no sistema de nulidades: DERRUBADA na Comissão. Permaneceu algo pró-forma, mas pode ser retirado, porque não mudará nada.
MEDIDA 8 (65% APROVADA): não há punição para partidos que se envolvem com corrupção, embora exista para empresas. Além disso, não há em nosso sistema uma responsabilização adequada do caixa 2 eleitoral
-Caixa 2 eleitoral: APROVADA, mas com atenuações
-Responsabilidade de partidos políticos: APROVADA PELA METADE, porque: na Comissão já caiu o regime de responsabilização objetiva aplicável às empresas e as penas foram atenuadas; no plenário houve outras atenuações de penas.
MEDIDA 9 (75% DERRUBADA): não há hoje instrumentos adequados para recuperar o dinheiro desviado
-Prisão preventiva para evitar dissipação de ativos quadno cautelares patrimonais não forem suficientes: DERRUBADA na Comissão
-Multas para Bancos que demorarem no rastreamento financeiro: APROVADA.
A primeira proposta era muito mais importante do que a segunda, razão pela qual consideramos 75% DERRUBADA a medida 9.
MEDIDA 10 (DERRUBADA): não há hoje instrumentos adequados para recuperar o dinheiro desviado. O crime de corrupção compensa financeiramente
-Ação Civil de Extinção de Domínio: instrumento recomendado pela ENCCLA, que reúne mais de 80 órgãos e entidades que atuam contra a corrupção e lavagem de dinheiro. DERRUBADA pelo Plenário.
-Perda Alargada: instrumento moderno, implantado em vários países, para confiscar dinheiro que é fruto de crimes graves e que geram muitos recursos: DERRUBADA pelo Plenário.
MEDIDA 11 (DERRUBADA): acrescentada pelo relator Onyx Lorenzoni e aprovada na Comissão Especial, introduzia a figura do whistleblower ou reportante do bem
MEDIDA 12 (DERRUBADA): acrescentada pelo relator Onyx Lorenzoni e aprovada na Comissão Especial, introduzia a figura do acordo penal para tornar o processo mais eficiente
Foram ainda aprovadas mudanças na ação popular contra atos lesivos ao patrimônio público. Houve também a criação de crimes de exercício ilegal de advocacia, sem qualquer relação com o pacote anticorrupção.
Por fim, além da desfiguração das #10Medidas, houve a inserção da LEI DA INTIMIDAÇÃO, contra promotores, procuradores e juízes, que é uma retaliação contra o Ministério Público e Judiciário por virem desempenhando seu regular papel no combate à corrupção (será objeto de post futuro, em breve).
Publicada em : 01/12/2016