Governo deixou de investir R$ 8,8 bi em demarcações indígenas e reforma agrária

A demarcação de terras indígenas e a reforma agrária não foram prioridade do governo federal no últimos anos. Levantamento da Contas Abertas mostra que essas iniciativas deixaram de receber R$ 8,8 bilhões em recursos previstos nos últimos cinco anos. Assentamentos e demarcação de terras indígenas estão na mira de uma CPI da Câmara dos Deputados.

Os números da Contas Abertas mostram que R$ 13 bilhões foram autorizados entre 2012 e 2016 para o programa “Reforma Agrária e Governança Fundiária” e para a ação “Demarcação de terras indígenas e proteção dos povos indígenas isolados”. No período, no entanto, apenas R$ 4,2 bilhões foram efetivamente aplicados, isto é, 32,2% do total.

A maior diferença acontece nas verbas destinadas para o programa de reforma agrária. Cerca de R$ 12,7 bilhões foram autorizados para a iniciativa entre 2012 e 2016, mas somente R$ 4,1 bilhões foram aplicados.

Dessa forma, a ação de “Obtenção de Imóveis Rurais para Criação de Assentamentos da Reforma Agrária”, por exemplo, recebeu apenas 50% dos R$ 3,2 bilhões autorizados para o período. A rubrica prevê o pagamento de imóveis rurais, decorrentes de desapropriação, de adjudicação pela Fazenda Pública ou aquisição direta, e indenização de benfeitorias em áreas destinadas à reforma agrária.

Já no caso da demarcação de terras indígenas especificamente, 35% do orçamento autorizado entre 2012 e 2016, R$ 249,1 milhões, foi desembolsado. Com a baixa execução, somente R$ 86,5 milhões chegaram para as iniciativas promoção da proteção das terras indígenas através da identificação, delimitação, demarcação física e regularização fundiária.

A ação visa assegurar o direito dos índios, a posse, e o usufruto da terra tradicional que ocupam; e das reservas indígenas a eles destinadas que permitam a manutenção e o desenvolvimento de seus modos de vida e atividades socioculturais.

O resultado é que a demarcação de terras indígenas no Brasil está praticamente parada e, segundo movimentos sociais e pesquisadores, enfrenta um momento de grande dificuldade e instabilidade. Entre 29 de abril de 2016 e meados de abril deste ano, nenhum decreto homologando demarcação de terras foi assinado pelo presidente Michel Temer.

O mesmo acontece com reforma agrária. Em 2016, assim como no ano anterior, o governo federal não adquiriu terras para novos assentamentos. Nos últimos dias de seu governo, a presidente cassada Dilma assinou 25 decretos de desapropriação de imóveis rurais para a reforma agrária e regularização de territórios quilombolas, totalizando 56,5 mil hectares, mas o processo não avançou.

A situação, pelo menos em termos de recursos, não parece ter melhorias em 2017. O programa de reforma agrária recebeu apenas R$ 120,7 milhões dos quase R$ 1,3 bilhão previstos em orçamento. A ação de demarcação de terras indígenas, por sua vez, conta até o momento com R$ 2,8 milhões do total de R$ 15,7 milhões autorizados para o exercício.

CPI

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai 2, da Câmara dos Deputadas, pode votar hoje (30) o relatório final apresentado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT). Desde que o relatório foi apresentado, no dia 2 de maio, já foram três tentativas de votação suspensas em razão do início da Ordem do Dia do Plenário da Câmara. E outras duas reuniões foram canceladas.

O relatório final da CPI acusa servidores da Funai, do Incra, além de antropólogos e dirigentes de organizações não-governamentais, de fraudarem processos de demarcação no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia.

Entre os pedidos de indiciamento estão os do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, de 15 antropólogos, além de dirigentes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

O relatório também pede que o Ministério da Justiça faça uma nova análise de demarcações em andamento no Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O texto ainda tira da Funai o poder de demarcar as terras. Essa atribuição passaria a ser de um grupo de trabalho no Ministério da Justiça, que teria a participação da Funai, mas apenas com o papel de defender os interesses indígenas.

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal chamou o relatório final de inconstitucional e ilegal. Segundo o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, “o objetivo é desqualificar as condutas dos que participam de processos de identificação de comunidades indígenas e quilombolas e de suas terras de ocupação tradicional”.

O MPF destaca que a CPI não está autorizada a fazer indiciamentos e reafirma que os procuradores e procuradoras citados no relatório “atuam em cumprimento a um mandato constitucional, de defender os direitos dos índios”. Reitera ainda que a posição adotada pelos membros do MPF em cada um dos casos citados no relatório da CPI é “expressão coerente da atuação coordenada pela 6ª Câmara e projeção da opinião jurídica manifestada tanto pelo atual procurador-geral da República, quanto por seus antecessores, nos casos sob apreciação do Supremo Tribunal Federal”.

De acordo com o MPF, a CPI extrapolou sua atribuição e atropelou leis e a própria Constituição quando decidiu analisar, “superficial e tendenciosamente”, documentos e testemunhas relacionados a processos de identificação e demarcação de terras indígenas e de territórios quilombolas. A nota critica ainda a suposta solução indicada pelos deputados, de subordinar a decisão técnica à vontade política do Ministério da Justiça, para que seja este a definir o que é e o que não é terra indígena.

“A CPI não quer demarcar as terras indígenas ainda não demarcadas; quer revogar as demarcações reconhecidas recentes; quer que os ruralistas possam explorar as terras indígenas já demarcadas. Aos que lutam pelo direito, resta a confiança na Justiça.”, conclui o texto.


Publicada em : 30/05/2017

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