Governo deixa de arrecadar R$ 26 bi com desoneração da folha das empresas
Se existe algum consenso entre especialistas sobre o equívoco fiscal de subsídios, esse é a desoneração da folha, que o governo Michel Temer tenta, a duras penas, reverter. Criado no início da gestão Dilma Rousseff na Presidência para favorecer alguns segmentos exportadores, foi ampliado até atingir 56 setores. Em 2015, o país deixou de recolher R$ 26,2 bilhões, quando o benefício começou a ser desidratado por iniciativa do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Para economistas, a desoneração da folha, além de não ter prazo para acabar, não proporcionou o aumento de empregos esperado.
De acordo com o relatório do Banco Mundial, as propostas do governo para reduzir isenções na folha de pagamento vão gerar um ganho equivalente a 0,4% do PIB. Na visão da instituição, o programa teve pouco ou nenhum impacto na criação de empregos. Além disso, o custo para manter a renúncia é “altíssimo” — superior ao triplo do salário pago ao trabalhador. Segundo o documento, experiências internacionais mostraram que a desoneração da folha não melhora a empregabilidade automaticamente.
Na opinião de Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, o benefício deveria valer por cinco anos. “Seria um prazo razoável, porque uma das desculpas para a criação foi o câmbio valorizado, mas não teve gatilho, além de ter sido ampliada para 56 setores. Hoje é custosa para os cofres públicos”, destacou.
Em março de 2017, o governo enviou ao Congresso Nacional uma medida provisória para dar continuidade ao processo de reoneração da folha, ampliando setores que perderiam os benefícios. Mas, devido à falta de apoio ao texto, e depois de várias tentativas por meio de MP, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no exercício da Presidência da República, durante a viagem de Temer à China, em agosto, apresentou projeto de lei sobre o tema.
O texto pouco evoluiu desde que entrou no Congresso Nacional. A medida faz parte de um grupo de outras ações para melhorar as condições do caixa do governo federal, com as quais a equipe econômica esperava engordar o caixa em R$ 20,9 bilhões. Desse total, R$ 8,6 bilhões seriam conseguidos com a revisão da desoneração da folha de pagamento. Segundo fontes palacianas, o tema está entre as prioridades do governo para este ano.
Ontem, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, destacou que a reoneração da folha evita a expansão dos gastos, e, por isso, alivia o cumprimento do teto. “O benefício, que foi concedido, principalmente, para alguns setores da indústria, faz com que o Tesouro Nacional precise ressarcir a Previdência Social pela perda de arrecadação”, disse. “Então, computada como despesa, por não ter sido aprovado o projeto, estoura o teto dos gastos. Vamos ter que fazer cortes nas despesas”, completou.
A especialista em contas públicas Selene Peres Nunes também defende que todo subsídio tenha uma porta de saída, o que não acontece com a maior parte. Este ano, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), esse custo será de R$ 366 bilhões.
Apesar de o peso dos subsídios nas contas públicas ser elevado, somando R$ 3,5 trilhões entre 2003 e 2016 — pelos cálculos do Ministério da Fazenda —, o economista Newton Marques, do Conselho Regional de Economia, avalia que o governo não deve fazer mudanças tributárias apenas com viés arrecadatório. Para ele, a reforma tributária é o caminho para a solução desse e de outros problemas. “É necessário analisar a questão do sistema tributário como um todo: partilha para estados e municípios, evitar imposto acumulativos, tipos de tributação”, afirmou. “Agora, quando se pensa em arrecadação, não é uma reforma. É uma arrumação de meia-sola, um arranjo ali, outro aqui. Isso não será eficiente”, completou.
Recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que a política de desonerar as empresas não teve efeito visível sobre o volume de empregos. Usando dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, entre 2009 e 2015, a entidade concluiu que não houve diferença entre as empresas que foram beneficiadas com o programa e aquelas companhias que ficaram de fora.
Críticas
Além da desoneração da folha, outra renúncia fiscal que é bastante criticada por especialistas é a da isenção de tributação generalizada de entidades filantrópicas e de igrejas, que não pagam sequer Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). “Essas isenções não se justificam, muito menos fazem sentido em um Estado moderno e laico”, resume o procurador Julio Marcelo Oliveira, procurador do Ministério Público Federal no Tribunal de Contas da União (TCU).
O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, destaca que, além de avaliar os incentivos fiscais com base no custo-benefício dos programas, o governo precisará atacar de frente as grandes rubricas, como os subsídios para enxugar o rombo previsto nas contas públicas deste ano, de R$ 159 bilhões. “Será uma caça a marimbondo. Ninguém está disposto a abrir mão de qualquer privilégio, mas será necessário. É uma questão de matemática. A conta não está fechando”, disse.
Cesta básica
O economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, critica a desoneração e sua falta de retorno, mas defende, por exemplo, a isenção dos impostos dos produtos da cesta básica. “Esse subsídio tem uma lógica correta porque o sistema tributário brasileiro recai mais sobre o consumo do que a renda, e, portanto, quem ganha menos paga, proporcionalmente, mais imposto do que quem ganha mais de 10 salários mínimos”, destacou. “A desoneração da cesta básica é muito maior nas rendas inferiores. Torna o sistema tributário menos regressivo, mas ainda é preciso avaliar e ver quem está sendo beneficiado com uma política pública, sempre olhando por essa ótica de custo e benefício”, destacou.
Publicada em : 01/02/2018