Emissão direta de títulos foi irregular, conclui parecer de auditores do TCU

Na semana passada, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu uma investigação que foi aberta em maio de 2015 para verificar a regularidade dos empréstimos do Tesouro aos bancos estatais federais, mediante a emissão direta de títulos públicos. Em seu parecer, que ainda é mantido em sigilo, os auditores do TCU afirmam que as operações foram irregulares, pois contrariaram dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo fontes credenciadas do tribunal de contas ouvidas pelo Valor.

O parecer foi encaminhado ao ministro Aroldo Cedraz de Oliveira, relator do processo no TCU, na sexta-feira passada. Somente depois que Cedraz emitir seu parecer é que o plenário do Tribunal decidirá sobre a questão. Na emissão direta, o Tesouro coloca os títulos na carteira da instituição financeira federal, ou seja, o papel não é adquirido pelo banco no mercado.

Ao todo, o Tesouro emitiu diretamente R$ 462,1 bilhões aos bancos públicos, a quase totalidade para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foram feitas emissões também para Caixa e Banco do Brasil.

A conclusão da análise técnica do TCU ocorre no momento em que a direção do BNDES trava uma queda de braço com a equipe econômica, pois não quer fazer o pagamento antecipado de R$ 130 bilhões de suas dívidas com o Tesouro em 2018, além dos R$ 50 bilhões que já aceitou devolver neste ano.

O pedido de pagamento antecipado feito pela área econômica ganhará mais força se os ministros do TCU concordarem com a área técnica e decidirem que os empréstimos do Tesouro foram irregulares.

A investigação foi aberta para atender uma representação feita pelo procurador do Ministério Público junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira, o mesmo que solicitou investigação das chamadas "pedaladas fiscais" realizadas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

O procurador questionou se as emissões diretas não poderiam ser caracterizadas como operações de créditos entre um banco e o seu controlador, o que é vedado pelo artigo 36 da LRF. A questão levantada por Júlio Marcelo foi que o artigo 36 da LRF só permite que uma instituição financeira controlada pelo Tesouro adquira títulos da dívida pública no mercado, mesmo assim para atender investimento de seus clientes ou para aplicar recursos próprios. "Esta é a única exceção", disse o procurador ao Valor.

"A LRF não permite a colocação direta de títulos nos bancos públicos", acrescentou ele. A pergunta que os auditores do TCU teriam que responder é se a emissão direta pode ser caracterizada como operação de crédito.

O consultor Antônio Carlos D'Ávila Carvalho Júnior, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, está convencido que sim. D'Ávila foi um dos auditores que investigaram as "pedaladas fiscais". Ele deixou o TCU e, por concurso, ingressou na Consultoria da Câmara.

O consultor explicou que se o Tesouro tivesse emitido os títulos no mercado e, com os recursos arrecadados, emprestado aos bancos públicos federais, iria registrar um crédito (o contrato de empréstimo) em seu ativo.

A instituição financeira, por seu lado, registraria uma dívida (o contrato de empréstimo) em seu passivo. Assim, ela estaria sendo financiada pelo Tesouro, pois teria obtido um ativo (recursos financeiros), assumindo compromisso financeiro (contrato de empréstimo) com o Tesouro. O que aconteceu na colocação direta de títulos, segundo D'Ávila, foi algo muito diferente.

Ao invés de entregar os recursos ao banco estatal federal, o Tesouro emitiu títulos e os colocou diretamente na instituição. Para o Tesouro, os títulos são um passivo, ou seja, representam assunção de um compromisso financeiro junto à instituição federal. O consultor disse que o artigo 29 da LRF inclui no conceito de operação de crédito o compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, a emissão e aceite de título e outras operações assemelhadas.

"Claro está que, ao aceitar receber o título público em lugar do recurso financeiro que a União deveria ter-lhe entregue no ato da assinatura do contrato, a instituição financeira passou também a financiar a União", afirmou.

Para entender o papel das emissões diretas, D'Ávila observa que o Tesouro não tinha os recursos em caixa para oferecer empréstimos aos bancos estatais. Existia, no entanto, uma grande quantidade de dinheiro depositada na conta única do Tesouro no Banco Central.

A conta única vinha sendo abastecida pelos grandes lucros obtidos pelo BC, decorrentes das desvalorizações do real. Mas a lei estabelece que o dinheiro do lucro do BC só pode ser utilizados para resgatar a dívida pública. Para acessar os recursos, D'Ávila disse que o governo utilizou as emissões diretas.

A instituição federal que recebia diretamente os títulos tinha, segundo o consultor, duas opções: negociava os papéis no mercado ou aguardava o vencimento dos títulos. D'Ávila fez um levantamento de todas as emissões de títulos feitas pelo Tesouro desde 2008 e verificou que papéis no valor de R$ 92,07 bilhões, colocados diretamente nas instituições financeiras oficiais, tiveram prazo muito curto, bem menores daqueles oferecidos ao mercado (ver tabela).

Em 31 de março de 2009, por exemplo, o Tesouro emitiu R$ 13 bilhões em papéis para o BNDES com prazo de apenas um dia. Ou seja, no dia seguinte da emissão, o dinheiro saiu da conta única e foi para o BNDES.


Publicada em : 03/10/2017

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