Caos nos presídios: governo deve liberar recursos de 23 anos em sete meses

O governo federal deve liberar R$ 3 bilhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) até junho deste ano. A verba será destinada à construção, reforma e ampliação de presídios. O montante representa 23 anos de recursos não utilizados. O Fundo foi constituído em 1994.

Dados da Contas Abertas mostram que desde 2001, em quase todos os anos, o valor liberado do fundo foi bem inferior ao que tinha sido autorizado: 39% em 2002, 44% em 2005, 11% em 2012, 28% em 2015 e 54% no ano passado. Ao todo, entre 2001 e 2016, R$ 11,6 bilhões foram autorizados orçamentariamente para o Fundo, porém, apenas 46% dos recursos foram desembolsados.

A consequência da não utilização dos recursos foi o aumento das disponibilidades do Funpen. Em 2000, o saldo disponível e não aplicado atingiu apenas R$ 175,2 milhões. A partir de 2004, as disponibilidades do fundo superaram os R$ 300 milhões. Em 2008, 2009 e 2010, os valores foram de R$ 514,7 milhões, R$ 610,3 milhões e R$ 795,6 milhões.

Desde 2011, entretanto, o saldo contábil do fundo ultrapassou a barreira dos bilhões. Em 2012, o valor das disponibilidades alcançou R$ 1,4 bilhão, passando para R$ 1,8 bilhão em 2013. Um novo patamar de mais de R$ 2 bilhões foi atingido a partir de 2014. Em 2015, as disponibilidades somaram R$ 2,7 bilhões. No ano passado, o montante “parado” chegou ao recorde de R$ 3,8 bilhões.

Atualmente, de acordo com levantamento da Contas Abertas, R$ 2,4 bilhões ainda estão “parados”, lançados como “disponibilidades” do Funpen. A redução aconteceu após a liberação do governo federal de R$ 1,2 bilhão do Fundo no final do ano passado.

As consequências da não utilização dos recursos é demonstrada há anos no caos do sistema penitenciário brasileiro, como o de Manaus nesta semana. O número oficial de mortos na rebelião do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus foi de 56, segundo informações do Secretário de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM), Sérgio Fontes.

Nesta sexta-feira (6), ao menos 33 presos morreram na madrugada na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior de Roraima, informou a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc). A entrada da unidade foi isolada na manhã desta sexta. Ao menos três estrondos foram ouvidos na parte externa do presídio por volta das 9h (11h de Brasília).

O Funpen foi instituído pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Fundo é coordenado pelo Ministério da Justiça (MJ).

Os recursos, segundo a legislação, deveriam ser aplicados na construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais, na manutenção dos serviços penitenciários e na formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário.

A maior parte das disponibilidades contábeis do Fundo possui como origem 3% do montante arrecadado nos concursos de prognósticos, sorteios e loterias da Caixa Econômica Federal. Os recursos do Funpen são oriundos ainda de convênios, contratos ou acordos firmados com entidades públicas ou privadas, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado e 50% das custas judiciais recolhidas em favor da União Federal.

Em dezembro passado, o governo Temer baixou medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Funpen, verba prevista para construir e reformar unidades prisionais, para a Segurança Pública. A medida alterou a distribuição do dinheiro arrecadado em loterias, principal fonte do Fundo. A regra anterior determinava que 3% da verba das loterias ia para o Funpen. A partir de agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

Contingenciamento na Justiça

O contingenciamento chegou à Justiça. Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou à União que liberasse imediatamente o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para ser gasto com o sistema prisional e proibiu novos contingenciamentos do dinheiro no futuro.

A decisão foi tomada por unanimidade no julgamento de uma ação proposta pelo PSOL. Os ministros da corte declararam a inconstitucionalidade da situação atual do sistema penitenciário brasileiro, por violar massivamente os direitos fundamentais dos detentos.

Mais de um ano depois, ofício do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, questionou o Ministério da Justiça sobre os recursos destinados ao sistema penitenciário. A OAB destacou exatamente a inércia após a decisão do STF.

A entidade apontou que até outubro de 2016 não haviam sido divulgadas medidas para cumprimento da decisão judicial, tampouco informados os valores descontingenciados e repassados aos Estados para reformas estruturantes, construção e ampliação de estabelecimentos prisionais, dentre outras finalidades.


Publicada em : 06/01/2017

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