Caos nos presídios e R$ 2,4 bilhões disponíveis no Funpen
Apesar de ter liberado R$ 1,1 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para a construção, reforma e ampliação de presídios, o descaso com o sistema prisional do governo federal foi tão grande nos últimos anos que mais de o dobro da verba desembolsada ainda está “disponível”.
De acordo com levantamento da Contas Abertas, R$ 2,4 bilhões ainda estão “parados”, lançados como “disponibilidades” do Funpen. Há anos os recursos do Fundo, constituído na década de 90, não são plenamente aplicados. Dessa forma, o saldo contábil do Fundo cresceu sistematicamente. Para se ter ideia, em 2000 o saldo disponível e não aplicado atingia apenas R$ 175,2 milhões. No ano passado, as disponibilidades chegaram a atingir R$ 3,8 bilhões.
O Funpen foi instituído pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Fundo é coordenado pelo Ministério da Justiça (MJ).
O secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, explica que os recursos entram regularmente nos cofres públicos - visto que a maior parte é proveniente das loterias - e são contabilizados no Funpen, no entanto, não são inteiramente utilizados. Ele lembra que, por vezes, o Ministério da Justiça tentou utilizar os recursos, mas recebia da área econômica resposta negativa por “não haver espaço fiscal” para as liberações.
“A liberação de maior parcela de recursos, tal como aconteceu no último dia 28, é bem-vinda, pois, antes tarde do que nunca. Entretanto, os recursos contabilizados no Funpen já deveriam ter sido utilizados há muito tempo e vários governos atrás. O Funpen foi criado exatamente para resolver o problema da geração de recursos para a construção e manutenção dos presídios. As fontes de recursos são regulares, pois decorrem das loterias e das custas processuais. O governo federal, no entanto, há anos, trata o tema com descaso. Não é possível que o país vivencie esse caos, com mais de R$ 2 bilhões disponíveis no Funpen”, afirma o economista.
O contingenciamento chegou à Justiça. Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou à União que liberasse imediatamente o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para ser gasto com o sistema prisional e proibiu novos contingenciamentos do dinheiro no futuro.
A decisão foi tomada por unanimidade no julgamento de uma ação proposta pelo PSOL. Os ministros da corte declararam a inconstitucionalidade da situação atual do sistema penitenciário brasileiro, por violar massivamente os direitos fundamentais dos detentos.
Mais de um ano depois, ofício do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, questionou o Ministério da Justiça sobre os recursos destinados ao sistema penitenciário. A OAB destacou exatamente a inércia após a decisão do STF.
A entidade apontou que até outubro de 2016 não haviam sido divulgadas medidas para cumprimento da decisão judicial, tampouco informados os valores descontingenciados e repassados aos Estados para reformas estruturantes, construção e ampliação de estabelecimentos prisionais, dentre outras finalidades.
Apesar da determinação do STF e da pressão da OAB, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, creditou a liberação bilionária ao governo atual, dizendo que no governo anterior o dinheiro ia para fazer superávit. Em dezembro passado, o mesmo governo Temer baixou medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Funpen, verba prevista para construir e reformar unidades prisionais, para a Segurança Pública. A medida alterou a distribuição do dinheiro arrecadado em loterias, principal fonte do Fundo. A regra anterior determinava que 3% da verba das loterias ia para o Funpen. A partir de agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
Execução recorde
Os dados da Contas Abertas mostram que a liberação de R$ 1,1 bilhão do Funpen no final do ano passado resultou em execução recorde. Cerca de 55% do total de R$ 2,6 bilhões autorizados para o fundo, isto é, R$ 1,4 bilhão, foram desembolsados. Cabe ressaltar que a dotação inicial do Funpen era de apenas R$ 682,2 milhões para 2016.
Nos últimos dois anos, menos de 30% dos recursos destinados ao Fundo foram efetivamente utilizados. A dotação para o Fundo em 2014 foi de R$ 494 milhões. Já em 2015, R$ 542,3 milhões foram previstos para o Funpen.
Outra informação relevante no levantamento da Contas Abertas é que 25 unidades da federação já receberam o valor de R$ 44,8 milhões do governo federal. Os únicos estados que ainda não tiveram acesso a verba foram Bahia e Ceará, que não possuem fundos penitenciários.
“Os recursos da recente liberação bilionária não irão produzir resultados imediatos em decorrência da burocracia e dos prazos naturais para as construções e aquisições de equipamentos. Paralelamente, ainda há mais de R$ 2 bilhões para serem liberados. Pelo visto, o caos no sistema penitenciário ainda irá persistir por muito tempo”, conclui o economista Gil Castello Branco.
Publicada em : 04/01/2017