Os interesses mais imediatos de salvar politicamente o governo irão se sobrepor à preocupação com o rombo de R$ 139 bilhões no Orçamento, avalia o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas. “Vai prevalecer a visão de todos os políticos que cercam o presidente Michel Temer (PMDB-SP) e do próprio presidente. Na escala de prioridades, a meta fiscal não é a primeira: o objetivo principal é salvar o governo e o próprio PMDB para as eleições do próximo ano”, sustenta o especialista.

Como o déficit é tema de interesse restrito a alguns segmentos, a sociedade em geral não entende o que significa descumprir a meta fiscal do governo, de forma que a prioridade do Planalto passa a ser afrouxar a corda de cortes, visando a preservar a base aliada no Congresso. Nesta entrevista, Gil explica o que está por trás das brigas dentro do governo, expõe os interesses do establishment financeiro na permanência do ministro Henrique Meirelles na Fazenda e detalha os motivos para o núcleo político vencer a queda de braço com os membros da equipe econômica.

Tornou-se mais evidente nos últimos tempos, com o governo encurralado, o mal-estar interno na equipe econômica. É natural que essa área do governo sempre sofra cisão com o núcleo político?

Essa cisão não surgiu agora, ela já vêm de muito tempo. A primeira derrota do dream team econômico para os políticos foi quando houve aquele festival de aumentos salariais em 2016. Tenho absoluta convicção de que a equipe econômica não concordava com esses aumentos deflagrados com escalonamentos até 2019. No ano passado, o Executivo aumentou salários e neste ano o assunto é cortar benefícios, é PDV (Plano de Demissão Voluntária), é sustar aumentos. E desde ali você identifica claramente posições divergentes entre a Fazenda e o Planejamento. A diferenças são muito claras.

Por que, neste momento, não mudar a meta de déficit orçamentário se torna tão importante?

A Fazenda está procurando seguir o rumo da responsabilidade fiscal, por entendê-la essencial ao país, à confiança dos mercados, dos investidores e das agências de risco. Enquanto isso, no Planejamento predomina a visão da autoridade oculta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR, líder do governo no Congresso. Todos comentam em Brasília que Jucá é o verdadeiro ministro do Planejamento. A Pasta absorve dele a visão da sustentação política muito à frente da responsabilidade fiscal, até porque a reforma fiscal, se eles não conseguirem se sustentar politicamente, será tocada por outro presidente.

Por que agora isso está se acentuando tanto?

Essa divergência se intensificou porque, de fato,é praticamente impossível o cumprimento da meta de R$ 139 bilhões, e o ônus do não cumprimento recairá no colo, sobretudo, do ministro da Fazenda. Embora o Planejamento esteja também envolvido, toda a credibilidade do mercado financeiro, dos empresários e das agências de risco está sustentada no Meirelles, não no Diogo.

Por que Meirelles é o nome do establishment financeiro dentro do governo.

Isso. Ao terem que anunciar que não cumprirão meta, o fracasso cairá no colo do Meirelles.

Que já é alvo do fogo-amigo há um bom tempo...

Exatamente! A situação dele é extremamente delicada porque o cumprimento da meta de R$ 139 bilhões é inviável. O principal erro do governo Temer foi, ao assumir, promover imediatamente um festival de aumentos salariais. O aumento de pessoal foi muito maior do que os R$ 10 bilhões que o governo procura agora. Diante dessa encruzilhada, ou o governo irá anunciar que descumprirá a meta, ou fará um esforço ainda maior para cumpri-la cortando despesas, com o que os políticos discordam.

Mas aí é um novo pacote duro, com custo político ainda mais oneroso.

A encruzilhada se acentuou. Pelo ângulo político, a intensificação de medidas duras para o cumprimento da meta irá levar à debandada da base, o que causará dificuldades políticas para o PMDB e os partidos aliados nas eleições do próximo ano. Pode até gerar instabilidade e o fim do governo numa próxima flecha que venha da Procuradora Geral da República... De fato, essa encruzilhada, sob o prisma político, não admite outro tipo de solução. No entanto, como a credibilidade está ancorada no Meirelles, cogitou-se até que ele poderia sair do governo se obrigado a rever a meta. Ele chegou a dar essa sinalização, suavizada nos últimos dias, com a justificativa que farão um anúncio transparente.

Mas, na semana passada, chegou a ser ventilada a substituição, até comentavam que haveria eventual substituto do Meirelles.

Que seria o Paulo Rabello de Castro (presidente do BNDES), caso o ministro levasse essa posição de manter a meta a ferro e fogo. Na verdade, o dream team sofreu derrotas sucessivas no governo, e está prestes a sofrer outra. Perdeu no início do campeonato e, tudo indica, perderá de novo agora. Deverá prevalecer a visão dos políticos de salvar a própria pele. Irá prevalecer a visão do Jucá e de todos os políticos que cercam o presidente, que tem interesse direto na sua própria sustentação. Na escala de prioridades, a meta fiscal não é a primeira, o objetivo principal é salvar o governo e, dentro dessa linha, salvar também o próprio PMDB para as eleições do próximo ano.

Por que aumento do rombo na meta fiscal não abala eleitoralmente o governo?

Nessa hora é politicamente melhor você descumprir a meta porque este é um tema restrito a investidores, a analistas internacionais, a pessoas que compreendem a importância da meta para a estabilização das contas públicas. Na sociedade, de maneira geral, a enorme e maior parte dos eleitores não sabe nem que meta é essa. Não tem idéia de qual é a vantagem para o cidadão, em relação ao cumprimento desse limite (meta). O problema crucial é que o déficit passou a ser financiado pelo endividamento, o que o cidadão não sente diretamente no bolso. Sob a ótica do cidadão, ele percebe que diminuíram a inflação e a taxa de juros. Talvez esse seja o grande motivo para, mesmo com o presidente tendo uma popularidade de apenas 5%, a população não ir às ruas. Então, na visão política, descumprir a meta não tem problema nenhum, pois o eleitor não irá sequer notar. É muito melhor você aumentar a meta de déficit do que cortar despesas às vésperas de eleições.

Dilatar o rombo.

A consequência do descumprimento sistemático das metas é o aumento do endividamento, que cresce numa proporção sem limite. Os empresários e o mercado financeiro estão preocupados com essa situação que compromete a imagem do país.

Daqui a pouco vira tudo moeda podre, há problemas com a liquidez? Fica a impressão de que o governo não é capaz de honrar seus pagamentos.

Exatamente. A dívida bruta cresceu mais de 20 pontos pontos percentuais de dezembro de 2013 para abril passado. Já chega a 71,7% do PIB. Esse é o dilema. A visão de Meirelles tem o viés da responsabilidade fiscal e a visão política, não. Para o cidadão comum, isso não significa nada.

Então, o dream team está perto de uma derrota, mas não vai chutar o balde e sair. É isso?

Sim. Do que senti nos últimos dias, Meirelles e a equipe econômica já amenizaram o discurso, sinalizando que não vão chutar o balde: irão admitir a revisão da meta, até sob o pretexto de que, se saírem, a situação ficará ainda mais grave. Esse pessoal também não larga o poder, tem vantagens, continuam sempre vistos como nomes técnicos, que podem estar aí, no páreo, para o ano que vem. Meirelles irá explicar com clareza, justificar. Certamente ele ficou muito desgostoso, mas vai se manter no cargo.

Então, a encruzilhada foi desenhada quando Meirelles aceitou aquele aumento de pessoal dizendo que aquilo já estava tratado com a ex-presidente Dilma Rousseff?

Exato. Ali o governo contou com o ovo na barriga da galinha porque presumiu que haveria o crescimento econômico e, com este, o aumento da arrecadação. Isso, contudo, não aconteceu. As despesas obrigatórias cresceram sem a elevação da receita. O rombo maior foi a consequência. O segundo erro foi a indicação de ministros já investigados pela Operação Lava Jato. O governo foi periodicamente afetado pelas revelações que atingiram pessoas próximas e o próprio Temer, com a gravação de Joesley Batista. Esse, porém, era o grupo dele.

Mas, à época, o fiador do governo era a equipe econômica, porque Temer estava numa situação política difícil, pós impeachment.

Exatamente. Então, contou com a tolerância e a compreensão da equipe econômica para os aumentos salariais dos servidores públicos, na expectativa de que haveria o ovo da galinha, que não existia.


Publicada em : 03/08/2017

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